Há muitos anos a nova onda no mundo empresarial tem sido a inovação. Empresas de todos tamanhos e segmentos que possuem programas consolidados de inovação são vistas como “ousadas”, “modernas” e “mais competitivas”. E em geral essa percepção corresponde, ao menos em parte, à realidade. Empresas que inovam de maneira consistente tendem a apresentar resultados diferenciados de suas concorrentes que investem menos na busca pelo novo, embora, obviamente, existam exceções.
Mas a realidade é bem diferente quando se observa o setor público.
Via de regra, o governo tem muita dificuldade em inovar. Há amarras constitucionais, burocracia em excesso e um certo temor em relação a investimentos inovadores. A própria Lei 8.666, de 1993, que regula as compras e contratações no setor público, dificulta o investimento em projetos inovadores ao exigir tomadas de preço, pregões e outras formas de concorrência que funcionam – relativamente – bem para produtos de prateleira, mas são absolutamente inadequados para projetos inovadores. Um projeto de inovação busca soluções alternativas para se fazer as coisas, o que – por definição – não se encontra pronto no mercado.
Em geral, no setor público considera-se como inovação a introdução de novos elementos em um serviço público, na forma de novos conhecimentos, nova organização e/ou nova habilidade de gestão ou processual. O desafio, no entanto, é como alcançar isso quando há pouca disponibilidade financeira para investimentos e uma estrutura administrativa pouco flexível e, em geral, acomodada em uma rotina que não abre espaço para o novo. Junta-se a esse cenário o “apagão da caneta” que o Brasil vem experimentando nos últimos anos, no qual os gestores públicos têm receio de aprovar qualquer coisa que fuja minimamente das práticas consolidadas, mesmo quando há fundamento jurídico para isso.
Como, portanto, incentivar a inovação nessas circunstâncias?
O Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação e os Ambientes Promotores de Inovação
Uma das saídas para essa situação surgiu a partir do Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018. Esse Decreto regulamentou o Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016) e criou um arcabouço jurídico que contribui significativamente para que o setor público tenha condições de investir em projetos de inovação, em parceria com Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTs), o mercado privado e o terceiro setor. O Decreto abre oportunidades inéditas para que todas as esferas do governo consigam abrir projetos inovadores, incluindo o aporte de recursos de infraestrutura e financeiros, mediante a formação de alianças estratégicas.
Esse tipo de aliança foi batizado pelo Decreto nº 9.283/2018 como “Ambientes Promotores de Inovação” (API).
Pelo Decreto, APIs são “espaços propícios à inovação e ao empreendedorismo, que constituem ambientes característicos da economia baseada no conhecimento, articulam as empresas, os diferentes níveis de governo, as Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação, as agências de fomento ou organizações da sociedade civil”. Isso vai além de dar uma autorização explícita para que o governo invista em inovação – é um convite, um incentivo.
E a legislação não para por aí: prevê que os órgãos públicos possam apoiar os APIs de diferentes maneiras, incluindo:
- cessão do uso de imóveis;
- participação na criação e governança de entidades gestoras de APIs;
- concessão de financiamento ou outros tipos de apoio financeiro reembolsável ou não reembolsável e incentivos fiscais e tributários; e
- disponibilização de espaço em prédios compartilhados aos interessados em ingressar no ambiente promotor da inovação.
APIs trazem vantagens para o setor público e para a população
Mas quais os benefícios para o órgão que tiver a audácia e a coragem de se propor a cumprir a lei? Há muitos, diretos (que beneficiam o próprio órgão) e indiretos (que beneficiam a sociedade, ou seja, a população à qual o órgão atende). Alguns dos principais são:
- promoção do desenvolvimento tecnológico;
- integração entre a academia, o governo, o mercado privado e/ou as organizações do terceiro setor;
- potencialização de projetos inovadores e incentivo à inovação;
- promoção do desenvolvimento institucional;
- promoção do desenvolvimento socioeconômico por meio de projetos de alcance social;
- criação de soluções mais adequadas, eficientes e baratas à população;
- criação de produtos, serviços, processos e outras ferramentas de melhoria da gestão pública;
- desenvolvimento de soluções guiadas pela informação;
- agilidade no planejamento e execução de projetos de ciência, tecnologia e inovação;
- melhor controle do processo de execução de projetos;
- melhor acompanhamento dos custos e controle de qualidade dos projetos executados no âmbito do API;
- inovação na eficiência organizacional no ambiente da organização pública;
- institucionalização de modelos de financiamento contínuo da pesquisa e da inovação;
- criação de uma cultura da inovação.
A pegada pública em relação à inovação dentro do próprio governo começou a virar. Agora, é necessário que a cultura de buscar a melhoria pela introdução do novo se espalhe para que a lei possa, de fato, fazer a diferença.
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