Quando os robôs levantaram da cadeira
Durante décadas, imaginamos robôs em linhas de produção, repetindo movimentos mecânicos, sem alma nem ambição. Hoje, eles preenchem planilhas, analisam faturas, cruzam dados financeiros e disparam e-mails com mais eficiência do que muitos estagiários. A automação robótica de processos, ou RPA (Robotic Process Automation), transformou o cenário. Mas não se trata mais de substituir o humano — e sim de reinventá-lo.
O que é RPA e por que ele não vai roubar seu emprego (ainda)
RPA — sigla para Robotic Process Automation — é uma tecnologia que permite a automação de tarefas repetitivas por meio de robôs de software. Esses “bots”, diferentemente dos autômatos hollywoodianos, não possuem braços articulados nem olhos vermelhos. Eles operam nos bastidores dos sistemas corporativos, executando fluxos de trabalho exatamente como um ser humano faria — mas com a paciência de um monge tibetano e a velocidade de um atleta olímpico.
Na prática, o RPA é ideal para atividades como copiar e colar dados entre sistemas, emitir relatórios, preencher formulários, enviar notificações, realizar conciliações e executar verificações básicas. O que essas tarefas têm em comum? São altamente estruturadas, seguem regras claras e envolvem pouco ou nenhum raciocínio. É o tipo de serviço que ninguém quer fazer, mas que precisa ser feito — e que, portanto, é perfeito para ser delegado a um bot.
É importante entender que o RPA não é inteligência artificial em seu sentido pleno. Ele não aprende sozinho, não “pensa” fora da caixa e não faz inferências. Cada ação executada é resultado de um script meticulosamente programado. É como um estagiário muito obediente, mas que precisa ser treinado para cada pequena variável do processo. E se algo mudar fora do script? O bot trava — literalmente.
Segundo o relatório “Global RPA Market” da Grand View Research (2024), o mercado global de RPA está projetado para atingir US$ 30 bilhões até 2030, impulsionado por empresas que buscam eficiência operacional, redução de custos e aumento da produtividade sem necessariamente ampliar suas equipes humanas.
Isso quer dizer que todos os empregos administrativos estão com os dias contados? Ainda não. O RPA é extremamente competente para lidar com o previsível — mas falha miseravelmente diante do imprevisto. Um simples campo com nome fora do padrão, uma vírgula mal posicionada ou um anexo renomeado fora do protocolo pode ser suficiente para parar uma esteira inteira de automações. Ou seja: o RPA brilha em tarefas onde não é preciso pensar, julgar ou interpretar — capacidades que, por enquanto, continuam sendo território exclusivo do Homo sapiens.
Além disso, o custo e a complexidade da implementação ainda funcionam como barreiras naturais. Nem todo processo é automatizável de forma viável, e nem toda empresa está disposta a reconfigurar seus fluxos só para acomodar robôs. Muitas vezes, adaptar o processo ao RPA exige mais trabalho humano do que continuar fazendo as coisas manualmente. Pelo menos, no curto prazo.
Portanto, se você tem um trabalho que envolve julgamento contextual, criatividade ou lidar com seres humanos (esses bichos imprevisíveis), pode respirar aliviado. Por enquanto, seu emprego está mais seguro do que parece. Mas não se engane: o movimento de automação é real, crescente e inevitável. E a melhor defesa continua sendo uma boa adaptação.
Automação inteligente: o que está mudando na prática?
A promessa da automação era simples: deixar que as máquinas cuidassem do trabalho repetitivo enquanto os humanos se dedicavam ao que realmente importa. O que talvez não estivesse tão claro é que esse futuro já começou — e está acontecendo no silêncio das operações corporativas, longe dos holofotes e das manchetes sensacionalistas.
A automação RPA vem sendo adotada em larga escala em setores que tradicionalmente dependiam de grande volume de processamento manual, suscetível a erros e com pouca margem para inovação. Agora, essa margem está sendo ampliada, graças aos bots.
No setor financeiro, por exemplo, bancos e instituições de pagamento vêm utilizando RPA para automatizar processos como contas a pagar, reconciliação bancária e validação de crédito. A UiPath (https://www.uipath.com), uma das líderes globais em automação, reportou casos de redução de até 80% no tempo de processamento de contas a pagar em grandes bancos europeus — uma economia que não se resume ao tempo, mas também à diminuição de erros manuais e à melhoria na rastreabilidade dos dados.
Na área jurídica, onde burocracia e prazos coexistem em uma dança constante, escritórios de advocacia como o Demarest vêm empregando bots para tarefas como leitura e análise de cláusulas contratuais, indexação de documentos e monitoramento de prazos processuais. Aqui, o ganho não é apenas operacional: advogados agora podem dedicar mais tempo à estratégia jurídica e menos à caça de documentos em sistemas antiquados. O RPA tornou-se, curiosamente, um aliado da argumentação.
Na saúde, a automação tem um impacto ainda mais direto sobre o bem-estar dos pacientes. Hospitais públicos e privados já utilizam bots para alimentar sistemas com dados clínicos, cruzar informações entre diferentes bases (como exames laboratoriais e histórico médico), além de automatizar o agendamento de consultas e o faturamento hospitalar. Um estudo da Healthcare Information and Management Systems Society (HIMSS, 2023) mostra que hospitais que implementaram RPA em ao menos três processos administrativos relataram um aumento médio de 35% na produtividade das equipes clínicas de apoio.

O que une todos esses exemplos não é apenas o uso da tecnologia, mas a mudança de mentalidade: a automação deixou de ser uma iniciativa isolada de TI e passou a ser uma estratégia corporativa. Em vez de “substituir gente”, o foco está em reposicionar o talento humano onde ele gera mais valor — algo que, paradoxalmente, só a inteligência humana consegue identificar com clareza.
Humanos aumentados: as novas funções na era dos robôs
Se o RPA está assumindo tarefas repetitivas, o que sobra para os humanos? A resposta curta: tudo aquilo que exige discernimento, empatia, improviso e pensamento crítico — ou seja, justamente aquilo que os algoritmos ainda não conseguem imitar com propriedade. A resposta longa? Um redesenho completo do que entendemos por “profissional do futuro”.
Automação não elimina o trabalho. Ela elimina tarefas, muitas vezes tediosas e de baixo valor agregado. O impacto real está na reconfiguração de papéis. O operador de dados que antes alimentava planilhas agora pode se tornar o gestor dos fluxos automatizados. O analista que auditava processos pode passar a desenhar os próprios bots. E o contador que passava horas verificando lançamentos agora precisa entender de API, segurança digital e lógica de decisão programada.
Essa transição exige algo mais profundo do que uma simples reciclagem de competências técnicas. Exige uma nova forma de pensar o trabalho — menos centrada em execução e mais orientada à supervisão, análise crítica e tomada de decisão em ambientes híbridos homem-máquina.
O World Economic Forum, em seu relatório Future of Jobs 2023, afirma que 44% das habilidades dos trabalhadores precisarão ser atualizadas até 2028, com destaque para:
- Pensamento analítico
- Criatividade
- Resolução de problemas complexos
- Curiosidade intelectual
- Alfabetização digital e tecnológica
Curiosamente, nenhuma dessas competências envolve saber “fazer como uma máquina”. Pelo contrário: envolvem ser cada vez mais humano em um mundo cada vez mais automatizado.
Essa realidade vem gerando a ascensão de novos perfis profissionais, que antes nem existiam nas classificações tradicionais de carreira:
- Orquestrador de bots: profissional responsável por desenhar e monitorar os fluxos automatizados.
- Auditor de algoritmos: especialista que avalia a consistência, legalidade e ética dos processos automatizados.
- Designer de jornadas automatizadas: alguém que entende tanto da lógica do negócio quanto do comportamento humano, traduzindo isso em fluxos eficientes.
- Especialista em change management digital: profissional focado em gerir a adaptação cultural e operacional das equipes à presença dos robôs.
Não é mais sobre competir com máquinas, e sim sobre complementar-se a elas. A automação inaugura uma nova divisão de tarefas: as máquinas assumem o previsível; os humanos, o imprevisível. E é justamente nesse espaço do “não roteirizado” que mora o diferencial humano — pelo menos até segunda ordem.
Portanto, a pergunta relevante não é mais “meu trabalho vai ser automatizado?”, mas sim: “o que eu faço que nenhuma máquina faria melhor do que eu?” Ou ainda: “como posso me tornar indispensável nesse novo arranjo colaborativo?”
Spoiler: não é decorando fórmulas do Excel.
Limites, riscos e dilemas éticos da automação
A ideia de automatizar processos corporativos é sedutora: menos erro humano, mais produtividade, menor custo. Mas como toda sedução tecnológica, ela carrega seus próprios pontos cegos. Automatizar, afinal, nunca é um ato neutro. É uma escolha estratégica com implicações operacionais, sociais e éticas.
Em primeiro lugar, há o problema da opacidade algorítmica. Ao delegar tarefas sensíveis a robôs, as empresas muitas vezes não conseguem explicar, a posteriori, por que determinada ação foi tomada — ou não. Um bot que deixa de emitir uma nota fiscal por uma variável mal programada pode não apenas travar a operação, mas também gerar passivos legais. E o mais preocupante: a equipe nem sempre saberá identificar o erro rapidamente, justamente porque a lógica automatizada escapa à intuição humana.
Depois, vêm os riscos de segurança da informação. Bots operam com alto grau de permissão, muitas vezes acessando múltiplos sistemas corporativos, bancos de dados e plataformas externas. Qualquer falha de configuração — ou pior, uma brecha explorada por terceiros — pode se transformar em uma porta de entrada para vazamentos massivos. Segundo relatório da IBM Security (2023), ataques envolvendo automações mal protegidas cresceram 31% nos últimos dois anos, especialmente em setores como finanças e saúde.
Outro risco relevante é a dependência de fornecedores e plataformas proprietárias. Muitas organizações implementam RPA sem garantir a interoperabilidade ou a transparência sobre como os bots são programados. Isso cria uma espécie de “gaiola dourada”: os processos até funcionam, mas a empresa perde autonomia para evoluí-los, corrigi-los ou migrá-los. A automação vira um legado técnico antes mesmo de amadurecer.
Há ainda um fator muitas vezes negligenciado: o desaparecimento gradual do conhecimento humano tácito. À medida que tarefas são automatizadas, os profissionais deixam de realizá-las manualmente e, com o tempo, perdem a capacidade de entender os detalhes operacionais que sustentam os fluxos automatizados. O resultado? Um time altamente dependente da tecnologia, mas sem preparo para lidar com seus desvios ou colapsos — um paradoxo moderno.
No plano legal e regulatório, a situação é igualmente desafiadora. O relatório 2022 Global Intelligent Automation Survey da Deloitte revelou que 38% das empresas entrevistadas já enfrentaram problemas de compliance relacionados ao uso indevido ou mal planejado de RPA. Isso inclui violações de privacidade, falhas em auditorias internas e decisões automatizadas sem supervisão adequada.
E aqui reside talvez o maior dilema: automatizar não é apenas programar fluxos. É programar consequências. E toda consequência automatizada tem um responsável — mesmo que o código não tenha CPF.
Portanto, se o RPA promete mais eficiência, também exige mais maturidade. A pergunta que as empresas deveriam se fazer antes de automatizar qualquer processo não é apenas “isso pode ser feito por um robô?”, mas sim: “estamos preparados para as implicações quando ele fizer — ou deixar de fazer — algo inesperado?”
Para onde vamos? Tendências e provocações
Se o RPA já não é mais novidade, o que está no horizonte? A próxima fronteira atende pelo nome de automação inteligente — uma camada evolutiva que une bots programáveis com algoritmos de aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural e, em alguns casos, IA generativa. O objetivo não é apenas executar tarefas repetitivas com eficiência, mas entender o contexto em que essas tarefas acontecem e adaptar-se dinamicamente.
Essa convergência entre RPA, IA e machine learning está consolidando os chamados frameworks de automação cognitiva, capazes de realizar atividades mais complexas: interpretar e-mails, entender variações de linguagem em ordens de serviço, priorizar demandas com base em critérios históricos ou até tomar decisões baseadas em padrões comportamentais aprendidos ao longo do tempo.
Segundo relatório da Forrester Research (2024), empresas que adotaram modelos de intelligent automation reportaram aumento médio de 47% na velocidade de resposta a clientes e redução de 35% no retrabalho em processos críticos, como atendimento, faturamento e onboarding de usuários. A produtividade deixou de ser apenas uma função do tempo economizado e passou a incluir o valor da decisão bem tomada.
Mas esse salto tecnológico vem acompanhado de dilemas que não podem ser resolvidos por código.
- Quem audita as decisões automatizadas? Bots cognitivos tomam decisões com base em dados históricos, e nem sempre esses dados são neutros. Se a base de dados carrega vieses — e quase sempre carrega —, o sistema automatizado apenas os reproduz, com mais velocidade e menos contestação.
- Quem é responsabilizado por uma decisão algorítmica equivocada? Quando um bot decide que determinado cliente não deve receber crédito, com base em padrões estatísticos, quem responde pelo possível dano? O programador? O gestor do processo? O fornecedor da tecnologia? A empresa que apertou “enter”?
- Qual o papel das universidades e centros de pesquisa? A formação de profissionais para esse novo cenário não pode se limitar ao domínio técnico. Será preciso formar auditores de algoritmos, designers éticos de sistemas automatizados e gestores com repertório para equilibrar performance e responsabilidade.
É nesse ponto que o debate sobre automação transcende a TI e se transforma em pauta de política pública, ética social e estratégia educacional. Instituições como o Instituto Modal vêm ocupando espaço importante nesse debate, promovendo discussões sobre governança algorítmica, inclusão digital e soberania tecnológica — temas que, embora pareçam distantes da operação diária de um bot, são justamente os que determinarão se a automação será libertadora ou excludente.
Porque, no fundo, o futuro da automação não será definido por tecnologia, mas pelas escolhas humanas que a cercam.
Conclusão: O futuro não é automatizado. É colaborativo.
É tentador imaginar o futuro do trabalho como um grande tabuleiro onde os robôs substituem humanos e as máquinas operam sozinhas, incansáveis e infalíveis. Mas essa é uma ficção simplista — e perigosa. O que a automação RPA nos mostra, na prática, é que não estamos diante do fim do trabalho humano, mas do início de uma nova forma de fazer, decidir e colaborar.
Automatizar tarefas é apenas o começo. O verdadeiro desafio — e oportunidade — está em reconfigurar o papel do ser humano nesse novo arranjo produtivo. Isso exige mais do que requalificação técnica. Exige que profissionais se tornem tradutores entre lógica de negócios e lógica de sistemas, gestores de complexidade, curadores de contexto. Requer que saibamos o que delegar às máquinas e o que preservar como domínio exclusivamente humano: o julgamento ético, a empatia, a visão sistêmica e a capacidade de improvisar diante do inesperado.
Para as empresas, o futuro exige uma ruptura com a lógica linear de produtividade. O cálculo do “custo por hora” perde sentido quando bots trabalham 24/7. O que importa agora é o valor por decisão acertada, por insight relevante, por inovação implementada. As organizações que prosperarem serão aquelas que souberem integrar inteligentemente o potencial das máquinas com o talento e o senso crítico das pessoas.
E para a sociedade, o avanço da automação impõe a necessidade urgente de formular novas éticas do trabalho, de justiça e de inclusão. Porque um sistema automatizado sem governança é apenas um algoritmo reproduzindo desigualdades com maior velocidade. E um futuro digital sem propósito humano é apenas um presente high-tech com baixíssima empatia.
Portanto, não estamos caminhando para uma era sem humanos. Estamos caminhando para uma era em que os humanos terão que ser ainda mais… humanos. Mais conscientes. Mais criativos. Mais responsáveis. A automação não nos substitui. Ela nos convoca.
E a pergunta fundamental deixa de ser “o que a máquina pode fazer?” para se tornar: “o que vale a pena manter humano?”
Referências
- DELOITTE. Global Intelligent Automation Survey 2022. Disponível em: https://www2.deloitte.com/us/en/insights/focus/technology-and-the-future-of-work/intelligent-automation-2022-survey-results.html. Acesso em: 23 abr. 2025.
- FORRESTER RESEARCH. The Forrester Wave: Robotic Process Automation, Q1 2023. Forrester, 2023. Disponível em: https://www.blueprism.com/pt/resources/analyst-reports/forrester-wave-report/. Acesso em: 23 abr. 2025.
- GRAND VIEW RESEARCH. Robotic Process Automation Market Size, Share & Trends Analysis Report 2024–2030. San Francisco: Grand View Research, 2024. Disponível em: https://www.grandviewresearch.com/industry-analysis/robotic-process-automation-rpa-market. Acesso em: 22 abr. 2025.
- HEALTHCARE INFORMATION AND MANAGEMENT SYSTEMS SOCIETY (HIMSS). The State of Healthcare RPA 2023. HIMSS, 2023. Disponível em: https://www.himss.org/. Acesso em: 23 abr. 2025.
- IBM SECURITY. Cost of a Data Breach Report 2023. IBM, 2023. Disponível em: https://digitalsuccess.lll-ll.com/?i=4078803. Acesso em: 22 abr. 2025.
- UIPATH. Case Studies and Industry Reports. UiPath, 2024. Disponível em: https://www.uipath.com/resources/automation-case-studies. Acesso em: 22 abr. 2025.
- WORLD ECONOMIC FORUM. Future of Jobs Report 2023. Geneva: WEF, 2023. Disponível em: https://www.weforum.org/reports/the-future-of-jobs-report-2023. Acesso em: 22 abr. 2025.
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Imagem de capa gerada pelo Midjourney, uma ferramenta de inteligência artifical da Antrophic.