Vive la résilience!

Resistência à mudança e resiliência são conceitos que fazem parte das organizações inovadoras, e trazem duas realidades complementares: o que acontece e o que precisa acontecer sob a perspectiva organizacional.

A famosa expressão associada à resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, vive la résistance, ainda hoje é utilizada de maneira próxima ao seu significado original: marcar uma posição e se recusar a ceder. Historicamente, a importância dessa filosofia – e da própria resistência francesa – foi fundamental para que os Aliados vencessem a guerra.

Sob muitos aspectos, a resistência é uma característica humana. Resistimos a quem tenta impor uma vontade que não é a nossa; resistimos quando precisamos fazer algo que não queremos; resistimos quando não acreditamos em uma ação ou ideia. O ser humano é, por natureza, uma pièce de résistance.

Embora natural, essa postura não implica necessariamente ser a mais adequada. Em muitas circunstâncias, a resistência pode levar a problemas maiores do que simplesmente aceitar que nem sempre as coisas são como queremos. A resistência em ir ao hospital é um bom exemplo: usualmente esperamos até chegar a um ponto em que a dor ou incômodo é significativo, ao invés de procurar um médico logo que percebemos haver alguma coisa errada. E, muitas vezes, acabamos com um problema de saúde muito maior do que o necessário, simplesmente porque resistimos em tomar medidas adequadas em tempo hábil.

Os motivos da resistência são diversos e não vem ao caso tentar listá-los. Basta saber que não há lista que contemple todas as causas das pessoas resistirem a qualquer coisa que seja. Você pode até resistir e não aceitar essa informação, mas é verdade.

Mudança organizacional

Ao transferir nosso foco para o mundo organizacional, temos algumas correlações interessantes com a questão da resistência.

Uma delas é o fato incontestável de que tudo está mudando, constantemente – uma das frases mais famosas atribuídas a Einstein é “a única constante no universo é a mudança”. Novas tecnologias surgem muito rapidamente; modelos de negócio são construídos e desmontados a cada semana; produtos inovadores surgem e morrem a todo momento; organizações são criadas, reformuladas, reinventadas e desintegradas cada vez mais rápido.

Um dos “novos” modelos organizacionais surgidos a partir da revolução tecnológica dos últimos anos é o conceito de startup: “uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza” (RIES, Eric. A startup enxuta: como usar a inovação contínua para criar negócios radicalmente bem-sucedidos. Leya, 2012). Ora, se as condições são de “extrema incerteza”, elas podem mudar a qualquer momento, e as pessoas precisam estar preparadas para se ajustar à mudança. Nesses casos, resistir é inútil, como dirá um Borg (quem for trekker vai entender a referência).

Mesmo em organizações tradicionais, com modelos de negócios consolidados, a mudança acontece. Talvez em outro ritmo, de maneira menos caótica, mas inevitável: um chefe que gosta de fazer as coisas de maneira diferente; um novo procedimento operacional; um novo produto ou a variação de um produto existente; uma nova campanha publicitária de reposicionamento de marca; uma alteração do modelo de metas e limites; uma reestruturação organizacional… Se nada disso aconteceu com você, fique tranquilo – ainda vai acontecer.

Resistência à mudança

Quem atua no ambiente caótico de uma startup já está acostumado com o ritmo frenético das mudanças. As atitudes e comportamentos necessários para conviver com a novidade acabam se incorporando à psiquê de cada um, criando mecanismos de equilibração para lidar com a quebra de paradigmas e com a ausência de referências. Nem sempre esses mecanismos são saudáveis, mas isso também é assunto para outro momento…

Em organizações mais estruturadas, consolidadas ou “tradicionais”, o processo de mudança tende a ser mais tranquilo e linear, e as quebras de paradigma acontecem com menos frequência – ao invés disso, os paradigmas se deslocam ou se adaptam, causando pequenas mudanças. Em alguns casos, esse movimento de adaptação a uma nova realidade, mesmo com impacto limitado – ou talvez justamente por seu impacto limitado -, gera desconforto e dá causa à resistência à mudança.

Nesse contexto, a resistência é uma ação ou inação, deliberada ou inconsciente, que se opõe à mudança. É a natureza humana de se manter em uma zona de conforto à qual se criou uma acomodação. Muito natural, aliás.

Resistência e resiliência

Por falar em mudança, vamos voltar ao caos das startups. Nesse ambiente, com mudanças pipocando a cada momento, as pessoas precisam desenvolver a capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar. Segundo o dicionário de Oxford, essa é uma das definições da palavra “resiliência” – e de fato o conceito se ajusta perfeitamente ao seu sentido literal, que é a capacidade de um corpo retornar à sua forma original após ser submetido a uma deformação elástica.

A situação constantemente mutável proporcionada por condições de extrema incerteza faz com que as pessoas que atuam em startups desenvolvam um conjunto de habilidades capazes de compensar ou tolerar as mudanças, internalizando-as como parte de si mesmas – “estou vivo, e viver é mudar”.

Mas a resiliência é importante também em organizações tradicionais. Mesmo as “pequenas mudanças” trazem impactos às pessoas – “deformam” as crenças, os valores, as rotinas; e exigem que o colaborador absorva a nova realidade e se adapte. E isso não é fácil.

Vive la résilience!

Desenvolver a resiliência é possível, mas requer um esforço muito específico e extremamente difícil: é necessário mudar uma crença pessoal, pelo menos.

A principal crença que precisa ser mudada é, talvez, uma das mais arraigadas: o auto-centrismo, o pré-conceito de que nada vai acontecer comigo. Outras pessoas podem perder o emprego, mas não eu. Meus amigos vão se casar, ou se separar, ou mudar de sexo, mas não eu. Meu chefe é incompetente e não sabe fazer as coisas, mas não eu. Minha empresa pode falir, mas não eu. Meu colega foi promovido, mas não eu. Essa visão, obviamente, não está correta. Costumamos fotografar um momento único e extrapolar a realidade a partir daí, mas a vida não se restringe a um momento. Ela não é fotografia, é cinema 3D, surround, double vision, multichannel. Quando entendemos o impacto dessa realidade, percebemos que mudar também é natural e começamos a criar a tal da resiliência, porque nossa visão de mundo passa a ser de ‘continuum’ e não de fatos. Os fatos mudam no ‘continuum’, assim como nós mesmos.

Para finalizar, resgato novamente meu lado geek e trekker, aludindo ao texto de abertura da série “Jornada nas Estrelas”: resiliência é a capacidade de ir ousadamente aonde você jamais esteve – e aprender com a experiência.

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